No ano passado 3.000 pessoas do mundo todo se reuniram em uma conferência em Leipzig, Alemanha, para discutir o decrescimento ou pós-crescimento, um conjunto de ideias e propostas que vem ganhando força na Europa. Os defensores do decrescimento afirmam que é preciso rever o uso dos recursos naturais e potencializar atividades sociais e econômicas que diminuam o consumo para evitar que a Terra entre em colapso. Na conjuntura brasileira, este debate parece estar longe das preocupações da população, que ouve os alarmes dos economistas sobre a necessidade do PIB voltar a crescer, ao mesmo tempo em que o governo anuncia medidas de austeridade. Por outro lado, será que é possível trazer este debate para o Brasil? As dificuldades já se apresentam quando analisamos o modelo econômico brasileiro, que desconsidera a finitude dos recursos naturais e os direitos das populações tradicionais, principais defensoras de um modo de vida de proteção de ecossistemas e que correm cada vez mais riscos com a perda de seus territórios para grandes empreendimentos, como é o caso da usina de Belo Monte. Discutir essas ideias foi o objetivo da série de debates “Porque o crescimento pode ser um problema para garantir o nosso futuro”, que aconteceu no Rio de Janeiro (24/2), em Brasília (25/2) e em São Paulo (27/2) com a presença do Professor Reinhard Loske, da Universidade de Witten (Alemanha) e convidados.
A economia verde sozinha não é a solução para uma sociedade sustentável
Para o professor Reinhard Loske, vivemos a era do crescimento econômico e da aceleração deste padrão que define as bases para a economia do mundo. Mas essa busca por crescer de forma ilimitada provoca consequências já sentidas, como as mudanças climáticas e a perda crescente da biodiversidade. Segundo ele, para manter as emissões de CO2 toleráveis seria preciso diminuir a atual emissão em dez vezes. Por outro lado, para muitos, proteger o meio ambiente só é possível com o crescimento, numa perspectiva fortalecida pela lógica do mercado. Reinhard concorda em parte e afirma que os países ricos do Norte têm capacidade, e hoje o fazem, de proteger o meio ambiente, por isso nos últimos anos foram investidos milhões em filtros, purificadores, entre outras ações, sempre disseminando a economia verde como saída, o que ficou explícito na Rio + 20, Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2012. Mas a economia verde não soluciona o alto consumo de recursos. Dessa forma, Loske afirma que vivemos um paradoxo – quanto mais rico um país é, mais recursos são usados, próprios ou de outros países.
A tecnologia também é apontada muitas vezes como saída, mas ela sozinha tem se mostrado ineficiente para tornar o mundo sustentável. Um exemplo são os carros que hoje são menos poluentes, mas o número de veículos vendidos continua crescendo; ar condicionados modernos consomem menos energia e são mais baratos, mas o uso dos aparelhos é cada vez mais disseminado, estabelecendo o “efeito-rebote”. Neste sentido, Loske acha que é necessário sair deste dilema por meio de mudanças de estilo de vida, alternativas ao modelo econômico vigente e mudanças políticas. Parte fundamental dessa mudança passa pela economia de compartilhamento que vem crescendo no mundo, de acordo com o professor. Se usarmos de forma coletiva as máquinas, terras, carros, locais de trabalho, entre outros, temos potencial de diminuir o uso dos recursos. Assim, crescem cada vez mais iniciativas como a Airbnb e as hortas comunitárias, por exemplo. Por outro lado, Loske ressaltou que há sempre o risco das iniciativas de compartilhamento que se utilizam da internet serem capturadas pelo mercado, especialmente de gigantes da internet, e perderem sua essência. O grande desafio colocado é que essas atividades saiam dos nichos e sejam aplicadas em escala e com incentivo dos governos. Para o professor, já há indícios que isso pode acontecer.
Reinhard Loske é ex deputado federal na Alemanha pelo partido Verde, hoje é professor de Sustentabilidade e Dinâmica de Transformação na Universidade de Witten, e recentemente lançou o livro “The Good Society without Growth – A boa sociedade sem crescimento,” ainda sem tradução no Brasil.
Os debates
O evento no Rio de Janeiro foi promovido pela Fundação Heinrich Böll e Ibase com a presença de pesquisadores, representantes de ONGs, estudantes e contou com a moderação do diretor da Fundação Dawid Bartelt.
Para Moema Miranda, diretora do Ibase, e uma das integrantes da mesa de debate “um crescimento ilimitado em um planeta limitado é um caminho para o suicídio”, mas as ideias sobre decrescimento precisam dialogar com a América Latina para fazerem sentido na realidade do continente. Segundo ela, pobreza e desigualdade cresceram no mesmo padrão de expropriação do Norte para o Sul. O padrão de consumo vigente hoje se combina com uma grande imposição às populações que não querem participar dele. Esta negativa acaba por levar essas populações, como os indígenas, para a pobreza. “São os indígenas que protegem a Amazônia e a capacidade de resiliência deles é fundamental para o futuro.” Para Moema, um dos grandes problemas do modelo que estamos inseridos é a leitura sobre a natureza, que não é vista de forma conectada ao homem e sim como um supermercado. A alternativa então seria fortalecer as lutas e repensar o que é bem viver, que também é um elemento da política.
Como contraponto às ideias de decrescimento, o professor da Universidade Federal da Paraíba, José Carlos de Assis afirmou que o crescimento é fundamental e que em face da crise atual, a única alternativa para o Brasil é se aliar a China e investir na produção de aço, não apenas a venda de aço bruto, mas com algum tipo de beneficiamento.
O professor Emanoel Boff, último palestrante do debate do Rio a se manifestar, reafirmou as ideias de Moema e de Loske, mas para ele é possível aumentar o PIB sem expropriar os recursos naturais. Sobre a economia do compartilhamento, ela seria uma forma de diversificar a economia em um sistema que estimula o consumo individual. Mas ressaltou as dificuldades de aplicação da lógica de compartilhamento em um país que vive desigualdades extremas.
Em Brasília a mesa de debate foi moderada pelo professor da Universidade de Brasília (UNB) Maurício Amazonas, que contextualizou o tema afirmando que não se trata de uma discussão nova. A agenda ambientalista adquiriu relevância a partir dos anos 1960 e hoje o que se vê são diferentes correntes ao redor da temática do uso dos recursos naturais. Para os economistas conservadores, não há limite para o crescimento, mas há outro campo que reconhece fortemente os limites do meio ambiente e por isso o crescimento deve ser repensado. Este é um campo plural, no qual encontram-se os defensores da economia verde e ao mesmo tempo a agenda do decrescimento.
Com o título provocador “Ruim com ele, pior sem ele?” o economista e professor da UNB Jorge Madeira Nogueira apresentou as ideias do decrescimento como “rótulos novos em garrafas velhas”. Reafirmando a necessidade do crescimento para que toda a sociedade tenha acesso aos serviços básicos, Nogueira questionou como ficaria a Europa se o continente parasse de crescer. O professor defendeu que o pós-crescimento pode ser uma boa ideia, mas que ainda carece de uma teoria para sustentá-la e concluiu que talvez o decrescimento seja uma resposta para a questão errada: não deveríamos nos perguntar se devemos crescer ou não, e sim, a pergunta deveria ser como devemos crescer.
Apesar da reflexão sobre a temática do Pós-crescimento ainda estar pouco difundida no País, já existe há dois anos a Rede Brasileira pelo Decrescimento Sustentável apresentada pelo também professor da UNB e membro da rede, João Luiz Homem. Decrescimento é um slogan mobilizador,superando a ideia de que fora do crescimento não há saída, se colocando como proposta alternativa ao desenvolvimentismo desenfreado e também significa o desejo de se querer viver bem, explicou o professor. Ele diz que muitas pessoas não conhecem essa proposta e que é preciso entendê-la e desmitificá-la. De forma alguma o pós-decrescimento afirma que as pessoas que vivem na linha da pobreza não devem prosperar. O decrescimento está voltado para mudança de estilo de vida das camadas da população que vivem em uma situação confortável e que podem facilmente diminuir a quantidade de carne que consomem, o uso do carro, aumentar o compartilhamento de bens e estimular a agroecologia. Mas o professor fez uma ressalva: “se trata de um processo complexo, em que assimilação conceitual raramente é completada por um único homem.” Assim, Homem afirma que é necessário convencer as crianças que o padrão de consumo dos ricos precisa diminuir e o dos pobres aumentar.
O debate em Brasília foi promovido em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. A série de eventos seguiu para São Paulo e foi encerrada na Universidade Federal do ABC. Em breve a Fundação Heinrich Böll lançará uma publicação com os conteúdos dos debates.